Antes de ser ex-porta-voz do presidente Jair Bolsonaro, o general Otávio Rêgo Barros era o chefe da comunicação do Exército. Por isso, o seu artigo na terça-feira no Correio Braziliense desancando o estilo do presidente não deve ser tomado apenas como o rescaldo de mágoas. Rego Barros escreveu o que outros generais falam em surdina, particularmente depois da humilhação pública imposta por Bolsonaro ao ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
No artigo, Rêgo Barros disse ser “doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais são meras peças publicitárias”, que “valem tanto quanto uma nota de sete reais”. “Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”, assinalou.
Em uma crítica pouco sutil aos ministros militares do entorno do presidente, Rêgo Barros escreveu ainda que alguns “assessores leais” deixam de ser respeitados e “outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas”. “O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal”, criticou.
Rêgo Barros serviu nas missões militares no Haiti e no Rio de Janeiro e, por quatro anos, foi o porta-voz do ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, até ser incorporado à equipe de Bolsonaro ainda como general da ativa. Para não criar celeumas internas, Rêgo Barros passou para a reserva em 2019 ainda como general de divisão, perdendo a oportunidade de chegar à general de Exército. O sacrifício, aparentemente, foi em vão.
No Planalto, ele tentou ser um algodão nas difíceis relações entre o presidente e os jornalistas, mas terminou com a função esvaziada por pressão pública do filho do presidente Carlos Bolsonaro e do secretario de Comunicação, Fabio Wajngarten. A sua ascensão e queda se parece com a de outro general, Santos Cruz, e pode ainda ser o destino de Pazuello e do ministro da Secretaria Geral, general Luiz Ramos, os novos alvos da milícia bolsonarista.
Como não podem criticar o líder infalível Bolsonaro, a milícia atacou Pazuello por ter prometido ajuda ao governador João Doria na compra das vacinas desenvolvidas com a China e Ramos por ter aberto as porteiras do governo ao Centrão. Além das redes sociais, a ala radical usa marionetes como o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para desferir seu ódio.
O texto de Rego Barros é uma reação a essa saraivada de críticas. Corretamente ou não, o Exército considera que salvou o governo Bolsonaro de um impeachment entre maio e junho, quando o presidente e sua torcida miliciana pretendiam intervir no Supremo Tribunal Federal. O pagamento, como notou Rêgo Barros, foi o desprezo: “A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao Olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas”.