Em 2006, quando chegou aos cinemas e se tornou um fenômeno inesperado, Borat incomodou muita gente com seu humor satírico nada leve. Era esperado que sua sequência, lançada em pleno 2020, o ano em que uma pandemia acentuou ainda mais o radicalismo e a polarização, arrebanhasse para si uma boa cota de polêmicas. Estrelado pelo comediante Sacha Baron Cohen, o filme que chegou à plataforma de streaming Prime Video, da Amazon, na sexta-feira, acompanha o atrapalhado jornalista cazaquistanês em uma missão nos Estados Unidos. Para criar um laço entre o governo do Cazaquistão e Donald Trump, Borat deve levar um presente ao presidente americano, via Mike Pence, seu vice. Inicialmente, o mimo era um macaco estrela de filmes pornôs, mas acaba sendo substituído de última hora pela filha adolescente do jornalista — já que os poderosos americanos demonstraram diversas vezes um gosto por “novinhas”. Trump logo respondeu ao filme, assim como o governo do Cazaquistão e até um sobrevivente do Holocausto, que não gostou de uma piada de Cohen (que é judeu) sobre o genocídio.
Confira abaixo as principais polêmicas provocadas pelo esdrúxulo repórter cazaquistanês (contém spoilers).
Negação do holocausto e processo judicial
Em um dos momentos mais delicados do filme, Borat entra em uma sinagoga americana decidido a “aguardar o próximo tiroteio em massa”, trajando uma fantasia caricata da cultura judaica e crente de que “o Holocausto nunca havia acontecido”, graças a uma postagem no Facebook. É então que ele vai ao encontro de Judith Dim Evans, que lhe diz: “Eu estive no Holocausto, eu vi com meus olhos.” A cena é uma crítica aos negacionistas, mas, aos olhos dos familiares de Judith, é símbolo de uma “comédia destinada a zombar do Holocausto e da cultura judaica”. O resultado foi um processo judicial, lançado antes mesmo de o filme ir ao ar, que exigia que a participação de Judith, falecida este ano, fosse cortada do falso documentário e que a família fosse indenizada com 75.000 dólares. Na última segunda-feira, 26, o processo foi indeferido pelo Tribunal Superior da Georgia, uma vez que Judith estava ciente do teor do filme. Segundo reportagem do site Deadline, foi a primeira vez que Baron Cohen revelou a um personagem de seus filmes o que estava sendo pretendido: “Por respeito, alguém disse a Evans e à amiga com quem ela compartilha a cena que o próprio Baron Cohen é judeu e interpretaria um personagem ignorante, que serviria como um meio de educação sobre o Holocausto.” Em comunicado, os advogados de defesa da Amazon disseram que “a compaixão e coragem de Judith Dim Evans como sobrevivente do Holocausto tocou o coração de milhões de pessoas que viram o filme” e a vida dela é “uma repreensão poderosa àqueles que negam o Holocausto”.
A imagem cazaquistanesa
À época da estreia do primeiro filme de Baron Cohen na pele do atrapalhado jornalista, sua recepção não foi lá das mais calorosas por parte do governo Cazaquistão. Muito pelo contrário: Borat chegou a ser banido no país, que é retratado, de maneira fictícia, como um mundo selvagem e de forma em nada lisonjeira. Agora, no entanto, em uma manobra inesperada, o país decidiu surfar na onda do filme e usá-lo ao seu favor, adotando o bordão “Very Nice” (Muito Legal, em português) de Borat como slogan de suas campanhas oficiais de turismo (veja abaixo). A mensagem é aliada a uma série de vídeos curtos que apresentam as belezas naturais e culturais do Cazaquistão, e ao que Baron Cohen defendeu em comunicado enviado ao The New York Times. “Escolhi o Cazaquistão porque era um lugar que quase ninguém nos Estados Unidos conhecia, o que nos permitiu criar um mundo selvagem, cômico e falso. O Cazaquistão real é um belo país com uma sociedade orgulhosa e moderna – o oposto da versão de Borat”, escreveu.
O tom jocoso, entretanto, não foi o acolhido por todos os cazaquistaneses. Uma campanha organizada pela Kazakh American Association exige, por meio de uma carta-aberta endereçada a executivos da Amazon, que o filme seja retirado do catálogo da plataforma. A associação alega que o filme “pode causar danos irreparáveis à imagem nacional e à população do Cazaquistão, já que sua natureza cômica pode justificar assédio com base na etnia” e que “incita violência contra um grupo étnico minoritário altamente vulnerável e sub-representado”. Um abaixo-assinado pelo cancelamento do filme, lançado no começo deste mês, já conta com mais de 110.000 assinaturas.
Política e governantes americanos
Casamento infantil, pedofilia e a cultura das “novinhas”, em bom português, é tema central do filme, quando Borat decide presentear a própria filha Tutar, de 15 anos, interpretada por Maria Bakalova, de 24, ao presidente americano. No processo, em que ele até chega a comprar uma jaula para colocar a filha durante a viagem – uma referência às crianças mexicanas durante a deportação –, Tutar foge para se tornar jornalista e, a partir daí, protagoniza um dos momentos mais polêmicos do filme. Sob o pretexto de trabalhar para um canal conservador, Tutar entrevista Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York e atual conselheiro e advogado de Donald Trump. Em seguida, Giuliani é visto aparentemente abrindo sua calça em um quarto de hotel, em presença da jovem, ao que Borat interrompe e grita: “Ela tem 15 anos! É muito velha para você!”.
Em sua conta oficial do Twitter, Rudy Giuliani se defende: “O vídeo de Borat é completamente falso. Eu estava colocando minha camisa para dentro depois de tirar o equipamento de gravação. Em momento algum, antes, durante ou depois da entrevista, fui inapropriado. Se Sacha Baron Cohen disser o contrário, então ele será um mentiroso.”
(1) The Borat video is a complete fabrication. I was tucking in my shirt after taking off the recording equipment.
At no time before, during, or after the interview was I ever inappropriate. If Sacha Baron Cohen implies otherwise he is a stone-cold liar.
— Rudy W. Giuliani (@RudyGiuliani) October 21, 2020
O próprio presidente Donald Trump chegou a trocar farpas com Baron Cohen, quando questionado sobre uma cena do filme em que Borat invade um evento do Partido Republicano para oferecer sua filha ao vice-presidente Mike Pence. Segundo o jornalista Steve Herman, Trump disse: “Não sei o que aconteceu. Mas anos atrás, Sacha Baron Cohen tentou me pregar uma peça e fui o único que disse ‘sem chance’. É um cara falso e não acho ele engraçado.” O ator, em sua conta pessoal, respondeu agradecendo a “publicidade gratuita para Borat” e dizendo que também não acha o presidente engraçado.
“Eu admito, também não te acho engraçado. Mas ainda assim o mundo inteiro ri de você. Estou sempre procurando pessoas para interpretar bufões racistas, e você vai precisar de um novo emprego depois de 20 de janeiro. Vamos conversar!”, escreveu. Além de Trump, Borat faz piada com Bolsonaro ao incluí-lo na lista de “líderes mundiais durões” ao lado de ditadores como o norte-coreano Kim Jong-Un e o russo Vladimir Putin.