Agente laranja é uma mistura de herbicidas que, despejada sobre território inimigo pelos americanos na Guerra do Vietnã, nos anos 60 do século passado, com o objetivo de destruir plantações e desfolhar as florestas onde se escondiam os vietcongues, contaminou vastas áreas de solo do país e até hoje causa câncer, abortos, malformações em bebês, distúrbios digestivos, respiratórios e de pele.
Não é só pelo tom da cútis que Donald Trump pode ser comparado ao agente laranja.
Antes que alguém pense em discriminação, vale lembrar que, geneticamente, a cor do candidato republicano não existe e é ele mesmo quem se enfia num dourador de raios UVA para manter o inigualável bronzeado.
Sua primeira gestão, como o pesticida, deixará marcas permanentes na paisagem de seu país e na atmosfera até da lua, com o apoio às mais insalubres e poluentes formas de mineração e descaso diante do aquecimento global; impactará na saúde dos americanos e do planeta, com cortes de verbas em cifras bilionárias internamente e para entidades mundiais; e terá consequências na economia de todos os continentes, com o rompimento de tratados e o descaso na relação com organismos reguladores do comércio internacional – entre outras medidas, ações e atitudes apontadas como polêmicas, controversas, criminosas ou genocidas.
Nos EUA, a administração Trump contribuiu para ampliar a concentração de renda no topo da pirâmide econômica com doze atitudes (enumeradas pela Time neste artigo).
Pelo menos duas dessas práticas têm repercussão que agrava a desigualdade também em outros países: as restrições à imigração e a campanha difamatória contra muçulmanos.
Uma terceira não entrou na lista da revista por reverberar apenas no exterior, mas é a mais grave para os brasileiros: a disseminação de laranjas do agente laranja no controle político de algumas nações – uma condição que Jair Bolsonaro assume de bom grado.
É preciso alertar, porém, que mesmo nesse cenário, há muito do chamado “pensamento desejoso” nas análises que garantem que, com esse currículo, Trump será despejado da Casa Branca nas eleições em curso.
Afinal, tudo o que o presidente americano obrou até agora condiz exatamente com suas promessas da primeira campanha, há quatro anos. Atendeu, então, as expectativas de seu eleitorado e poucos se espantam, diante das pesquisas, com a quantidade de entrevistados – superior a 40% – que estão satisfeitos com suas realizações e querem que ele fique mais quatro anos no trono de homem mais poderoso da Terra.
Não deverá ser surpresa, principalmente com o peculiar funcionamento do processo eleitoral americano, se as urnas criarem um colégio eleitoral que desminta as pesquisas e os vaticínios dos politicólogos.
Diante da avaliação majoritária de vitória de Joe Biden, não faltam comentários, análises e exercícios de futurologia sobre o que aconteceria aqui com o Brasil, com Bolsonaro e com as relações entre os dois países.
Há até textos afirmando que se esperaria, da parte do candidato democrata, se eleito, doses extremas de tolerância e desprendimento para esquecer as desfeitas e grosserias diplomáticas que o presidente brasileiro acumulou contra ele no papel de cabo eleitoral trumpista.
O que se vê em menor quantidade são estudos realistas do que pode acontecer com Bolsonaro, o Brasil e as relações bilaterais caso Trump se reeleja.
Dentro do governo, onde também viceja uma variedade própria de “pensamento desejoso”, acredita-se que, com Trump mandando nos EUA por mais quatro anos, haverá finalmente uma decolagem nas relações comerciais, com um acordo bilateral que pulverizaria tarifas sobre aço, alumínio, açúcar e outros produtos – finalmente chegando à recompensa por gestos quase de vassalagem, como a manutenção da tarifa zero na importação de etanol americano.
Os bolsonaristas imaginam que assim terão condições de reduzir a dependência econômica da China, mas não há elementos sólidos para a previsão.
Tanto quanto o governo chinês, o americano, qualquer que seja, olha primeiro para as demandas verdadeiras de seu quintal.
Assim, tudo dependerá das condições econômicas domésticas nos EUA pós-eleição e principalmente pós-pandemia.
Trump vai primeiro atender seus eleitores e financiadores relacionados com as indústrias siderúrgica e metalúrgica americanas, assim como o agronegócio de seu país, antes de atender qualquer pleito brasileiro, ainda que apresentado de joelhos. A desigualdade brutal entre as economias não é assunto prioritário na Casa Branca.
A China, que tende a sair da pandemia ainda maior do que entrou, possivelmente continuará importando ainda mais produtos, o que é uma sorte para a economia nacional, a despeito do desejo do presidente.
Quanto à entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, uma expectativa do governo brasileiro que ganhou apoio de Trump a duras penas, a questão é que esse aval pode não ser suficiente.
Com um veto americano ninguém entra na OCDE, mas, mesmo com apoio, ainda seria necessário cumprir mais de 250 exigências, das quais o Brasil ainda não alcançou 40%.
Tornando o caso mais complexo ainda, a questão do equilíbrio fiscal é determinante para a concessão de assento na OCDE – e as perspectivas do país nesse aspecto são as mais sombrias.
Se tudo correr na melhor das direções, o Brasil não ocupa essa cadeira antes de 2023. Bem depois, portanto, de novas eleições presidenciais.
Num resumo, então, do que pode resultar para o Brasil caso Trump vença novamente, o que se pode concluir é que muito pouco depende de fato de relações cordiais ou vassalagem. O panorama econômico – lá, aqui, na China e no mundo – é mais determinante do que o pendor ideológico.
De certo mesmo, com uma vitória do republicano, o que se pode apostar é que haverá comemoração em Brasília Planalto, paparicação diplomática e, quem sabe, uma câmara de bronzeamento no Palácio na Alvorada. Poucas são as chances de ter o agente laranja seguindo uma agenda eleitoral pró-Bolsonaro. (Caso queira comentar este texto, use por favor este link.)