A COP30 acontece no Brasil poucos meses após dados da agência Copernicus confirmarem que 2024 foi o ano mais quente já registrado na história, quebrando o recorde anterior estabelecido em 2023.
O calor registrado no ano passado, no entanto, simboliza outro marco importante além de um novo recorde: pela primeira vez, a média da temperatura do planeta ao longo do ano ultrapassou o limite de 1,5 °C de aquecimento que os países concordaram em evitar no Acordo de Paris, assinado em 2015.
Segundo especialistas ouvidos pela CNN, a marca é motivo de preocupação, mas ainda é cedo para afirmar que os próximos anos também serão assim – embora janeiro de 2025 já seja considerado o mais quente registrado na história.
“Embora ainda não seja possível afirmar que, de fato, estamos em um novo patamar do aquecimento global, esta é uma possibilidade muito forte”, disse Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP. “Estatisticamente, busca-se sempre ter séries longas de anos para fazer uma afirmação definitiva. Mas essa sequência crescente, obviamente, exige preocupação e medidas de mitigação ou, acima de tudo, adaptação.”
Para os especialistas, os eventos climáticos extremos que aconteceram em 2024 deram uma prévia do que pode se tornar rotina caso o aquecimento global ultrapasse esse limite de 1,5 °C a longo prazo.
“Olha como os eventos extremos explodiram no mundo inteiro quando a temperatura chegou a 1,5 °C [de aumento]. Ondas de calor, secas, rajadas de vento, chuvas super intensas, incêndios florestais, tudo isso bateu recorde”, falou Carlos Nobre, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia. “Isso mostra que, mesmo que a gente consiga não deixar a temperatura passar muito de 1,5 °C, nós teremos que nos adaptar a todos esses eventos extremos. No mundo inteiro, não estamos adaptados para essa frequência e s seriedade desses eventos extremos.”
No Brasil, não foi diferente, o país registrou em um mesmo ano a catástrofe causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul e a seca extrema nos estados da região Norte.
Adaptação e mitigação
Diante desses extremos climáticos que já estão ocorrendo, é importante pensar em medidas de adaptação para uma nova realidade.
O líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil, Alexandre Prado, explicou: “Você tem uma temporada de incêndios, como aconteceu esse ano na Califórnia, que é o estado mais rico dos Estados Unidos. É o estado mais rico do país mais rico do mundo e eles não conseguiam conter a agressividade dos incêndios florestais nessa região. Então, se os mais ricos não estão preparados para um planeta mais quente, imagina os mais pobres.”
Prado, no entanto, ressaltou que não é possível se dedicar à adaptação climática sem frear o aquecimento. “A gente não pode esquecer o que causa todo esse aquecimento global: as emissões de gás de efeito estufa, principalmente de combustíveis fósseis e, no caso do Brasil, aquelas oriundas do desmatamento e agricultura”, falou ele.
“Senão a gente vai olhar ações de adaptação, que são muito custosas e de longo prazo, quando a gente tem medidas de curto prazo, como a redução de emissões, que podem e devem ser feitas”, acrescentou Prado. “O que a gente tem que fazer é evitar que isso seja muito pior no futuro, por isso tem que ter ações de mitigação imediata.”
Conforme explicou Carlos Nobre, os efeitos do aquecimento de 1,5 °C seriam apenas o começo caso não consigamos frear a emissão de gases de efeito estufa. “Nós não podemos deixar a temperatura chegar a 2,5 °C em 2050, de jeito nenhum”, afirmou ele.
Caso cheguemos ao patamar de 2,5 °C de aumento, as consequências seriam irreversíveis. Nobre listou algumas: a perda de praticamente todos os recifes de corais do planeta; a perda de mais de 50% da Amazônia e a liberação de bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera; a perda da maior parte do permafrost, o solo permanentemente congelado no norte do planeta, e a liberação do metano retido neste gelo.
Desafios
Os especialistas também apontaram os desafios de fazer isso de forma rápida e coordenada globalmente.
“Hoje, entendo que a maior dificuldade que tem se oposto a redução do uso de combustíveis fósseis é exatamente o impacto sobre a produtividade, sobre a geração de excedente econômico, sobre a geração de lucros dentro do sistema capitalista. E também o fato de termos uma infraestrutura já existente que precisa ser substituída por outra. Essa é uma trajetória difícil”, explicou Ildo Sauer.
Alexandre Prado complementou: “A convenção de clima, apesar dela, obviamente, ser lenta, não ser o processo perfeito, sem ela, a gente já teria contratado em torno de 4 a 5 °C de aquecimento do planeta.”
“É um processo muito complexo, mas não tem outra opção, não tem um processo melhor. Então, o que a gente pode é melhorar o processo, e aí a defesa do multilateralismo faz muito sentido”, acrescentou Prado. “Essa discussão tem que ser feita entre todos os países. Não há como fazer um processo de decisão e de tomada de ação sem a participação de todos os países.”
Chuvas mais fortes são efeito das mudanças climáticas? Entenda
Fonte: CNN Brasil