Artigo Primeiro: Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Artigo segundo: Ficam revogadas todas as disposições em contrário. (Capistrano de Abreu)
A “presidenta” Dilma Rousseff, em desespero, “saudando a mandioca”, tenta evitar seu “impeachment” a qualquer custo. E parece patente que o remédio amargo não é golpe, pois se encontra no artigo 85 da Constituição Federal. Claro que, nessas horas, muitos discutem a recepção da lei n° 1.079/50 pela Carta Magna que, inclusive, serviu quando se tratava do ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello. Naquela oportunidade o Partido dos Trabalhadores não via qualquer resquício de golpe. Tudo era perfeito e dentro da ordem constitucional. Do outro lado da rua, diante da esplanada, um deputado tenta escapar à cassação, utilizando os poderes de presidente da Câmara e seu Regimento Interno. Os processos instaurados para apurar responsabilidade de autoridades são complicados, caros, contraproducentes, morosos e suas conclusões causam enorme prejuízo nacional. A propósito, também no judiciário estamos, ainda, com a penalidade “mortal” de aposentadoria com vencimentos integrais para aqueles que cometem “pecados” disciplinares, o que é outro disparate.
Quando escrevi e publiquei o livro Resumo Prático de Procedimentos Administrativos Disciplinares – Instrumentos de garantia da cidadania, pela Editora Juruá, do Paraná, o propósito sempre foi fazer um manual prático com perguntas e respostas, além de passo a passo para subsidiar interessados sobre sindicâncias e processos disciplinares, abordando “en passant” o processo especial por acidente em serviço. A intenção, clara, objetiva: dotar os servidores públicos de uma ferramenta simples, de apoio, para produção de ampla defesa e contraditório. Muitas demissões apontadas nos órgãos e analisadas pela Corregedoria Geral da União revelam a eficiência em se demitir servidores públicos. Em inúmeros casos, processos eivados de vícios, que “a posteriori” obrigam a recondução do servidor ao cargo. Todavia o dano produzido é irreparável, tanto para o servidor quanto para a família e sociedade, embora o processo tenha se realizado dentre das exigências legais. Verdade seja dita: “a lei não socorre quem dorme”. O servidor público nem sempre está atento às regras do jogo, a legislação pertinente e normas internas dos órgãos.
No livro abordo principalmente as leis 8.112/90 e a antiga 4.878/65 (com seu decreto regulamentador). Elas (as leis) “falam” sobre processo administrativo disciplinar, composição dos colegiados, presidência, membros, atos formais e tudo quanto necessário para que se produza apuração eficaz sobre servidores públicos que, em tese, tenham cometido infração administrativa disciplinar. É fundamental destacar que a Comissão de Disciplina exerça suas atividades com independência e imparcialidade, assegurando o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração, sendo suas reuniões e audiências de caráter reservado.
Antes que patrulheiros ideológicos apareçam, esclareço que escrevo sobre o tema (livro), para lembrar as angústias dos servidores públicos quando envolvidos e acusados em processos disciplinares. Quando tratamos de procedimentos administrativos disciplinares, na administração pública, não importa em que esfera, estamos falando do direito do Estado de perseguir aquelas situações que revelam possibilidade de perturbação ou contidas de alguma mácula, que esteja ferindo ou tenha ferido o tecido administrativo público, comumente denominadas de ilícitos administrativos disciplinares. É o denominado “jus puniendi”. Os ritos rápidos e eficazes culminam, em síntese, na penalidade de repreensão (advertência), suspensão e demissão. Normalmente sem atropelos são concluídos dentro dos prazos e as decisões implacavelmente publicadas.
Estamos, evidentemente, falando de direito administrativo disciplinar. O cidadão estudou, se preparou (fazendo ou não cursinhos), pagou (caro) e prestou concurso público (de provas e títulos) e, finalmente, foi nomeado e tomou posse. Desde o primeiro momento o Estado tem alto custo em sua formação e adequação à futura função. Na sequência, no exercício dessas ou em sua razão, em tese, comete infração disciplinar. Investigado, dentro de uma metodologia simples é ouvido, testemunhas são arroladas, produz sua defesa e pratica o contraditório. Concluída sua responsabilidade efetiva pelo fato (materialidade) e se constatando sua autoria, complemento, pode ser advertido, suspenso, inclusive, ser demitido do serviço público e, ainda, cassada sua aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão, destituição da função comissionada, dentro de um rito simples e eficiente. Evidentemente, sem autoria e materialidade, as duas ou uma ou outra, a absolvição.
Portanto, parecendo “missa encomendada”, causa perplexidade os demorados e complexos ritos de instauração e instrução que apuram, em tese, irregularidades praticadas pelos políticos. São Regimentos Internos de casas legislativas eivados de brechas, onde se podem protelar andamentos e, anular no todo ou em parte apurações, ferindo-se lei e tornando a população cada dia mais descrente em relação às instituições. Os episódios históricos no legislativo brasileiro e executivo são prova incontestável da capacidade dos agentes políticos de burlar a lei e safar-se de punições, enquanto acumulam suas fortunas. A Operação Lava a Jato tem demonstrado que é possível quebrar esse circulo vicioso, com o rito sendo seguido na esfera administrativa e judiciária, com defesas sendo produzidas e sentenças sendo prolatadas. É preciso um resgate de credibilidade nacional para gerar a confiança de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Dentre muitas perguntas existem aquelas que não querem calar: por que os servidores públicos, concursados, estatutários, recebem tratamento diferenciado em momentos de apuração de infrações disciplinares e suas penas condenatórias são céleres e fulminantes? Por que o “jus puniendi” do Estado é tão eficiente para os servidores públicos e tão ineficiente em relação a agentes políticos? Por que a polícia federal permanece sob a égide da lei n° 4.878/65, regulamentada pelo Decreto 59.310/66? Tudo nos leva ao jornalista e historiador brasileiro João Capistrano Honório de Abreu que perguntado sobre o que acharia importante constar em Constituição defendeu que apenas dois artigos seriam importantes e necessários: Artigo Primeiro: Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Artigo segundo: Ficam revogadas todas as disposições em contrário.
Gilberto Clementino dos Santos
Análise Política