Ruy Barbosa, a imprensa e o dever da verdade

Ruy Barbosa (com y ou com i) condenou a mentira em qualquer lugar: tanto no governo como na imprensa. Em 1920, o advogado mais famoso do Brasil escreveu um discurso chamado “A Imprensa e o Dever da Verdade”, que não chegou a proferir de viva voz por estar doente. Contudo, seu texto centenário permanece atual.

Barbosa destacou a importância de uma sociedade livre, afirmando o valor elementar da imprensa para a fiscalização do poder: “A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam”. O professor Christian Edward Cyril Lynch afirma que Ruy Barbosa era advogado, senador da República, mas considerava-se, antes de tudo, jornalista. Lynch explica que “a razão era simples: ele considerava o jornalismo como a atividade primária a partir da qual, pela veiculação de suas ideias liberais, era possível sustentar sua ação política e forense em prol da consolidação do Estado de direito no Brasil”.

Mas por outro lado, Barbosa enfatizou que a imprensa não deveria ser irresponsável, pois um país de “imprensa degenerada ou degenerescente é um país cego e um país miasmado, um país de ideias falsas”. Assim, Ruy Barbosa destacou que o compromisso genuíno com o país, e com a promoção de uma sociedade livre, passa necessariamente por valores como honestidade e veracidade com as informações. São palavras urgentes para nosso país, habituado com figuras públicas incapazes de superar picuinhas, partidarismos frívolos, e vários individualismos mesquinhos, em prol de resolver problemas concretos. Fernando Schüller está certo quando diz que estamos na “era da irrelevância”: bobagens ocupam o maior espaço do noticiário e das informações que sobrecarregam os smartphones. Sem falar da sobrecarga de notícias falsas disseminadas em todas as direções. Sem dúvidas, as palavras de Barbosa em 1920 ressoam em 2020.

Aliás, antes do brasileiro Barbosa, o inglês John Milton fez a célebre defesa da liberdade de expressão e imprensa como uma forma de alcançar a verdade. Em 23 de novembro de 1644, Milton escreveu o panfleto-manifesto Areopagitica defendendo vigorosamente a liberdade de fala, em resposta ao Parlamento inglês que reintroduziu a obrigatoriedade de licenças legais para que editores pudessem exercer suas atividades (o que, na prática, era um modo de censurar e controlar as publicações). Em seu apelo central, Milton afirmou: “dê-me a liberdade de saber, de falar e de argumentar livremente de acordo com a minha consciência, acima de todas as liberdades”. Entre as razões para seus pedidos, Milton afirmou que a manutenção da liberdade de imprensa era um meio da verdade vir à tona, dizendo que a liberdade de imprensa permite que a “[Verdade] e a Falsidade lutem em um confronto livre e aberto”. Milton expôs a repugnância e indignidade da censura.

Vincent Blasi afirmou que “é apropriado que o clássico mais imaginativo e densamente sugestivo com argumentos a favor da liberdade de expressão tenha sido escrito por um poeta”. Ruy Barbosa não era poeta como Milton. Mas ele era Ruy Barbosa, e afirmou o dever da verdade com sua eloquência característica:

Cara nos é a pátria, a liberdade mais cara; mas a verdade mais cara que tudo. […] Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade”.

* Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo

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