Na edição de novembro, PLACAR mostrará as dificuldades enfrentadas pelos clubes na disputa da quarta divisão de São Paulo, que começou no último dia 17. Sem patrocínios e com portões fechados para torcidas, alguns times desistiram de disputar o campeonato, enquanto outros sofrem para pagar os salários aos jogadores. Presidentes trabalham até como cozinheiros para ajudar e recorrem a empresários para bancar despesas para colocarem os times em campo.
A Matonense, um dos times que se aventura na competição, é dirigida pelo técnico mais jovem do futebol paulista. João Daniel Dantas, de 22 anos. O profissional é filho do presidente Reinaldo Morais e passou pelas categorias de base do clube antes de assumir o cargo na equipe profissional. O jovem tentou carreira como atleta até os 17 anos, quando sofreu uma ruptura total nos ligamentos do joelho esquerdo. O sonho, então, mudou de função. “Eu já quase cheguei a desistir por conta de pessoas que atrapalham, tive vontade de brigar mesmo porque dizem que meu pai só pegou o clube para ser o meu parque de diversões”, afirmou a PLACAR.
A provocação de parte dos torcedores – uma minoria, segundo João Daniel – se dá porque desde 2017 o clube do interior paulista foi assumido pela empresa Soccer Stars Marketing Esportivo, de propriedade do pai Reinaldo Morais, também com participação no futebol do Itumbiara-GO e do Tigres, time da segunda divisão carioca. São seis anos de contrato, com possibilidade de renovação por mais seis.
João Daniel chegou ao clube em 2018 para comandar a equipe sub-15, e, desde então, vem subindo categorias. Passou pela sub-17 e pelo sub-20 antes de assumir o profissional. “Estava em casa, parado e o meu pai perguntou se eu não queria tentar recomeçar como treinador da base. Eu falei: vou, mas de muleta ainda. Treinei o time assim ainda no início, mas sabia que o projeto da Matonense poderia ajudar muitos garotos. Em muitos lugares, os clubes cobram para fazer peneiras e muitas vezes o menino não tem nem o que comer em casa”, explicou.
O jovem treinador tem um argentino como principal referência: Marcelo Bielsa, responsável mais recentemente por revolucionar e promover o Leeds United à elite da Inglaterra após 16 anos. “Gosto da metodologia dele, do futebol intenso, de jogar em cima o tempo todo dos adversários e a versatilidade que consegue implementar nos jogadores”, conta.
O apreço pela escola bielsista também se dá pela personalidade do treinador bem mais experiente, de 65 anos. O argentino carrega a fama de ser um aficionado por estudos, mas, também, é conhecido pelo gênio marcante que influenciou legiões de treinadores, o principal deles é o espanhol Pep Guardiola.
Dentro de campo, a campanha ainda não engrenou. A equipe não somou pontos e ocupa a última colocação no grupo 3, com três derrotas em três partidas disputadas. A última delas ocorreu na terça-feira, 27, quando perdeu por 4 a 2 para a Francana, em casa. O campeonato é disputado com portões fechados e com rígido protocolo imposto pela Federação Paulista de Futebol.
“A equipe ainda não venceu, mas nos consideram o melhor time da chave. Ainda acho que podemos subir. Escolhemos os jogadores a dedo, temos um bom elenco, mas as coisas não se acertaram nos jogos. A bola não está entrando. Futebol tem essas surpresas”, argumenta.
Desde que começou a curta carreira, o jovem já fez o curso para retirar a licença B da CBF, voltada para treinadores que trabalham em categorias de base, mas ainda quer mais. No início do ano, tentou um estágio no Vasco para aprimoramento. “Ainda me ignoram, mas já ouvi de pessoas da Federação que o nosso trabalho é muito sério e bem feito. Um dia vou ficar velho e, talvez, as coisas mudem”.
A Matonense amarga a última divisão de São Paulo, mas viveu uma época de ouro no fim da década de 90, sendo campeã de três divisões em anos consecutivos. Na última conquista, da A2 em 1997, o principal destaque foi o lateral direito Zé Carlos, negociado com o São Paulo e um dos convocados por Zagallo para a Copa do Mundo de 1998.